segunda-feira

Urbanidades - 19h10m


Tijuca, Rio de Janeiro, abril de 2008

sexta-feira

Desânimo

Ando por aí e bate um desânimo...
O ato de "andar por aí" já é perigoso. Preciso olhar a todo instante para trás, para frente, para os lados, para cima. Não me descuidar mais um minuto sequer, pois a morte "espreita em cada esquina". Por mais que haja locais melhores e piores, a ordem parece ser "não vacile nunca, jamais". Nem na Zona Sul, uma espécie de "ilha de fantasia" carioca, a gente pode parar um minuto para amarrar o sapato.

Medo da nossa cabeça? Talvez...

Se ando por aí de ônibus, o desânimo só aumenta. Agora, além de me preocupar com assaltos e ladrões - preciso manter o olhar fixo na porta, o tempo inteiro, e descer se observar algum "elemento suspeito" - ainda tem o incômodo de não achar lugar para sentar, ficar espremido em pé no ônibus, sob um calor africano, no meio de um engarrafamento horrível, atento para ver se enfiam a mão nos meus bolsos para roubar o celular, a carteira, se abrem a mochila. Não dá nem para descansar a cabeça um minuto que seja.

Medo da nossa cabeça? Talvez...

Ando por aí - mantendo a atenção - e vejo abandono total, em tudo, em todos os aspectos, em todos os níveis. Pichações em fachadas de prédios, gente dormindo na rua, lixo e sujeira, trânsito totalmente congestionado, praias perigosas, ruas perigosas, avenidas perigosas.
Ando por aí e vejo dengue, febre amarela, gente com fome, hospitais lotados, descaso, miséria, pobreza. Não mais nos guetos, nos grotões: a pobreza que as classes mais altas empurraram para fora de suas vistas, na década de 60, está batendo em suas portas pintadas e decoradas, de arma em punho, cobrando a enorme dívida que nunca foi paga.
Vejo um povo que não é "povo", é "público" - mas não o culpo por isso. O dia-a-dia de um trabalhador é muito duro, sim, são dez, doze horas voltado à labuta, para ganhar o dinheirinho suado no fim do mês, para mal conseguir comer, sustentar os filhos, levar uma vida digna.
Ando por aí e vejo as escolas abandonadas, alunos sem aprender.
Ando por aí e vejo gente desmotivada, sem emprego. Está mudando? Claro. Mas estamos cansados de gerúndio.
Ando por aí e vejo imbecilidades por toda a parte, gente querendo soluções simples para problemas complexos (Estado da Guanabara...legalizar drogas...proibir armas), o medo nos olhos, nos gestos, nas palavras. Medo de ser assaltado, medo de morrer, medo de não ter onde morar, medo de perder o emprego. Medo de perguntar e de dizer as horas.
Ando por aí e vejo um Rio de Janeiro cheio de potencial, capaz de ser um dos maiores pólos de turismo no mundo - mas que está jogando tudo isso fora, pela janela, com todo esse abandono, em todas as partes, em todos os níveis.
Ando por aí e vejo uma justiça corrupta, uma polícia corrupta, um poder público corrupto, tudo corrupto, tudo corrompido, tudo comprado - e tudo vendido. Nem o esporte, de tantas alegrias, anda bem. Muito dinheiro, muita corrupção, bons jogadores sendo vendidos precocemente, ídolos que não tem nada de ídolos, péssimos e horríveis exemplos.
O que é pior, ando por aí e vejo um círculo vicioso terrível, que envolve tudo o que descrevi e muito mais, e do qual não vejo saída. Sabem, estou triste e desanimado. Gosto do meu país e da minha cidade, mas isso aqui não é mais lugar para se viver. É com muita tristeza que digo: quero ir embora daqui.
E se pudesse, já tinha ido.

quinta-feira

Reco

Blog novo na área. Mais um bom espaço de discussão política da melhor qualidade.

E ainda é ponto com.

Tainã Nalon

Em breve, na barra de links ao lado.

terça-feira

Na taba


ABRIL INDÍGENA - Índios caminham em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. Representantes de diversas tribos acamparam nesta terça-feira na Esplanada dos Ministérios para cobrar providências sobre fiscalização de reservas e políticas de saúde. Um surto de diarréia e vômito já matou uma criança de um ano e atingiu outros 57 curumins, além de quatro adultos da aldeia Tiryó, em Óbidos, norte do Pará.

Crédito: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

quinta-feira

Terceiro mandato

Era um síndico exemplar. Daqueles que recepcionam os fiscais da prefeitura e inspecionam a lavagem da portaria. Já tinha perdido as contas das noites que passou em claro, frente à tabelas intermináveis de custos e arrecadação do condomínio. Sua mulher, mesmo resignada, não perdia a mania de reclamar. "Você está trabalhando demais", dizia ela arrastando as chinelas em direção ao quarto. Ele não se importava, já era o sexto ano na função, faltavam apenas dois.

Administrador por formação, e aposentado por tempo de serviços prestados a uma repartição pública, o prédio era uma extensão de sua própria casa. Adorava ouvir as reclamações intermináveis da senhora gorda do 502 nas reuniões de condomínio. "Depois que ficou viúva, desconta a carência pela boca", pensava enquanto escrevia a reclamação, cuidadosamente, no livro de atas.

Um dia, após colar cartazes sobre a manutenção dos elevadores em todos os quinze andares, sentou no sofá da portaria e refestelou-se. Como todos sempre lhe foram muito simpáticos, estranhou os olhares indiretos e as respostas resumidas daquela manhã. Da senhora do 502 ouviu um murmuro: "ditador". Não entendeu nada.

Pressionou o porteiro, um velho nordestino estabelecido na Vila da Penha há quarenta anos, que, suado, acabou confessando. "Estão dizendo por aí que o senhor vai tentar o terceiro mandato", disse com forte sotaque sertanejo.

Terceiro mandato? Quem disse? Nunca havia lhe passado pela cabeça um impropério como esse. No último natal, havia prometido à mulher que largaria a administração do prédio para se dedicar à estufa recém-instalada na casa de Cachoeiras de Macacu. Essa possibilidade era um descalabro!

Convocou uma reunião extraordinária de condomínio. O propósito era saber quem difundiu tamanho absurdo pelos corredores do pacato edifício tijucano. Tão logo começou a falar, a tropa de choque das viúvas - gorda do 502 à frente - começou a reclamar:

"O senhor é um ditador. Não pode ficar mais de oito anos no poder. A administração é democrática e precisa ser oxigenada" disse ela, com certeza baseada em um dos livros do finado marido, um jurista de renome.

O síndico mal teve tempo de falar, negar tudo aquilo e restabelecer a ordem naquele pardieiro. Após a fala agressiva da senhora do 502, foi a vez da jovem professora do 707 falar. Ela ponderou, com muita propriedade, o bom trabalho realizado pelo síndico. Mas mostrou-se em dúvida sobre a necessidade do terceiro mandato. Por fim, falou o zelador. E confessou ter sido ele próprio o autor da idéia que conduziria o atual síndico por mais quatro anos a frente do prédio.

Discussão estabelecida. Até que perguntaram a vontade real do síndico. "Não quero mais quatro anos". Nem a senhora do 502 e tampouco o zelador ou a professora do 707 acreditaram. E a discussão perdurou por mais alguns meses, até que alguém quebrou o interfone do play.

quarta-feira

Azul

então tenho vivido em Lisboa
ando e escuto
Lisboa
que não me sai da cabeça
Brasil.

telhados de Lisboa
e esse azul de dois olhos
distantes.

céu absurdo
Lisboa
absurda

agora vejo
uns pedintes no Metro

agora não. agora tenho um ecrã
luminoso
agora não vejo nada.
uns pedintes como os de lá
a fome é universal.

e esse azul - de olhos distantes - não me sai
pelas andanças.

Rená Tardin