quinta-feira

Terceiro mandato

Era um síndico exemplar. Daqueles que recepcionam os fiscais da prefeitura e inspecionam a lavagem da portaria. Já tinha perdido as contas das noites que passou em claro, frente à tabelas intermináveis de custos e arrecadação do condomínio. Sua mulher, mesmo resignada, não perdia a mania de reclamar. "Você está trabalhando demais", dizia ela arrastando as chinelas em direção ao quarto. Ele não se importava, já era o sexto ano na função, faltavam apenas dois.

Administrador por formação, e aposentado por tempo de serviços prestados a uma repartição pública, o prédio era uma extensão de sua própria casa. Adorava ouvir as reclamações intermináveis da senhora gorda do 502 nas reuniões de condomínio. "Depois que ficou viúva, desconta a carência pela boca", pensava enquanto escrevia a reclamação, cuidadosamente, no livro de atas.

Um dia, após colar cartazes sobre a manutenção dos elevadores em todos os quinze andares, sentou no sofá da portaria e refestelou-se. Como todos sempre lhe foram muito simpáticos, estranhou os olhares indiretos e as respostas resumidas daquela manhã. Da senhora do 502 ouviu um murmuro: "ditador". Não entendeu nada.

Pressionou o porteiro, um velho nordestino estabelecido na Vila da Penha há quarenta anos, que, suado, acabou confessando. "Estão dizendo por aí que o senhor vai tentar o terceiro mandato", disse com forte sotaque sertanejo.

Terceiro mandato? Quem disse? Nunca havia lhe passado pela cabeça um impropério como esse. No último natal, havia prometido à mulher que largaria a administração do prédio para se dedicar à estufa recém-instalada na casa de Cachoeiras de Macacu. Essa possibilidade era um descalabro!

Convocou uma reunião extraordinária de condomínio. O propósito era saber quem difundiu tamanho absurdo pelos corredores do pacato edifício tijucano. Tão logo começou a falar, a tropa de choque das viúvas - gorda do 502 à frente - começou a reclamar:

"O senhor é um ditador. Não pode ficar mais de oito anos no poder. A administração é democrática e precisa ser oxigenada" disse ela, com certeza baseada em um dos livros do finado marido, um jurista de renome.

O síndico mal teve tempo de falar, negar tudo aquilo e restabelecer a ordem naquele pardieiro. Após a fala agressiva da senhora do 502, foi a vez da jovem professora do 707 falar. Ela ponderou, com muita propriedade, o bom trabalho realizado pelo síndico. Mas mostrou-se em dúvida sobre a necessidade do terceiro mandato. Por fim, falou o zelador. E confessou ter sido ele próprio o autor da idéia que conduziria o atual síndico por mais quatro anos a frente do prédio.

Discussão estabelecida. Até que perguntaram a vontade real do síndico. "Não quero mais quatro anos". Nem a senhora do 502 e tampouco o zelador ou a professora do 707 acreditaram. E a discussão perdurou por mais alguns meses, até que alguém quebrou o interfone do play.

2 comentários:

Mario Campagnani disse...

Pode até não ter sido idéia do síndico, mas quem garante que ele não gostou dela?
Vamos esperar as próximas eleições do prédio.

Anônimo disse...

Pensei que tu tava falando do judeu da cobertura mesmo. que viagem