quarta-feira

Jorge

Jorge é um personagem de um conto que não devo escrever. Ilumino Jorge. Jorge assim simples. Sem uma palavra depois. Jorge tem uma mania estranha. Um tanto quanto cômica, para não se falar em um caso de filme Noir.
Aquela luz - primeiro em seu sapato branco, lindamente engraxado - vai caminhar com Jorge até o fim do - que seja - conto, crônica ou roteiro.
É certo que não fuma, mas como poderei desperdiçar essa luz? Jorge segura seu cigarro Ritz com a mão direita, ele está sentado em um banco na porta de casa - esperando a conversa e esperando ansiosamente falar da novidade. Seu sapato é branco - insisto. O cigarro queima devagar - traga delicadamente - e seu cabelo é loiro-castanho-caju. Como foi complicado percorrer por essas lojas de departamento para saber o nome - segundo - do loiro que Jorge usa em seus cabelos um dia brancos.

- Calça nova Jorge?

- Ganhei agora, junto com o sapato branco - era doutor - a madame não quis dar nada além disso , mas o corte italiano da calça já valeu a espera. E como marquei ponto.

- A minha roupa você nunca vai usar.

- Já medi você com os olhos - é do meu tamanho.

- Sai filhote de cruz-credo!

Jorge ria, tragava mais uma vez o cigarro que não fuma, um riso simples de quem tem toda habilidade. Dificilmente ele fala de seu ofício, mas como as roupas que meu tio usa não são tão boas, Jorge não se importa. Quando tem novidade vem logo mostrar. Ele espera o rico, o fazendeiro, o médico que mora lá na capital - as vezes ele viaja em seu trem. É difícil entender, mas com essa luz ,apenas para Jorge, ele espera mais um morrer de morte sofrida - para que a viúva não se importe e entregue o guarda-roupa. Jorge tem apenas roupas na medida. Diante de tanto tempo na estrada ele vai visitar apenas quem tem futuro, ou melhor, quem não tem dias de sobra. Como quem espera na esquina a observar manequins. Jorge sempre vigia a vítima, ou faz visitas quando o sujeito ainda está de cama - dizem que chora - isso não me atrevo a colocar de palavras próprias. Insisto na luz e no cigarro. O sorriso nefasto-simpático de sempre.

Jorge usa apenas roupas finadas. Esse é o oficio de Jorge. Apago a luz e tudo deixa de sombra.

Rená Tardin

4 comentários:

Bernardo Moura disse...

Muito bom!

Rodrigo Séllos disse...

belo texto, meu querido! belo texto. quero saber mais de jorge, das roupas e dessa luz. a idéia de usar como ofício a roupa dos outros é fantástica. escreva mais! abs

Roberta Estevam disse...

Bem que Jorge poderia ser o Jorge
Bem que o Jorge poderia
Bem que o Jorge poderia...

Marcos Vailan disse...

coitado do Jorge, salve.