terça-feira

Via ápia

"O trânsito segue lento na Avenida Radial Oeste para quem segue sentido Centro. O panorama é o mesmo no sentido Maracanã. PMs fazem uma blitz na altura da estação de metrô de São Cristóvão, causando retenções ao longo da via"

Pode parecer um clichê - e é - mas a Radial Oeste é a síntese do Rio. Não aquela cidade idílica das novelas em horário nobre, mas a urbe real. A cidade do café com pão, do trem lotado, dos jornais em tamanho tablóide.

Ela começa numa extensão da avenida que leva o nome do pai dos pobres, Presidente Getúlio Vargas, ainda sob o aroma pouco agradável do Canal do Mangue. Um viaduto deságua na Praça da Bandeira. Ali, convivendo (quase) harmoniosamente, está a imponente bandeira da nossa república, a linha do trem e a zona de baixo meretrício mais famosa do Rio: a Vila Mimosa. Na hora do rush, vendedores pipocam por todos os lados, oferecendo toda a sorte de mercadorias - de tangerinas a flanelas - aos estressados motoristas.

Seguindo em frente, margeando a linha 2 do metrô, abrindo caminho sentido Zona Norte, o coração pulsante e marginalizado da ex-capital federal. O Maracanã se impõe sobre a margem esquerda, enquanto o Morro da Mangueira começa a despontar à direita, no horizonte.

Por ali, os sons são vários. Desde as reações audíveis das torcidas no estádio cheio em dia de jogo, até as estocadas secas produzidas pelos fuzis nas operações policiais na favela. O fantasma do Museu do Índio, hoje ocupado ilegalmente por famílias descendentes daqueles que, legalmente, ocupavam todo o território do Brasil, completa a paisagem.

A atmosfera concretista da Uerj também faz parte da Radial Oeste. Ninguém acredita quando fica sabendo que o arquiteto da universidade hoje é presidente de Furnas. A pergunta que ronda a mente é: como arquiteto seria ele um bom presidente de Furnas, ou vice-versa?

Independentemente da resposta, o que temos hoje é a universidade sucateada, vivendo da fama de intocável que as universidades públicas gozam até hoje. Resta saber até quando. Será que outro reboco cairá? Preparem as faixas "em estado de greve".

Na praça de vergonhoso nome Emilio Garrastazu Médici, vive uma família de moradores de rua. Anônimos e ambulantes para quem passa por ali. Motivo de protestos por toda a burguesia local.

"Eles são sujos, emporcalham a praça, assaltam os transeuntes, não se vestem bem, nem se envergonham de usar drogas ou fazer sexo na via pública", indigna-se uma senhora tipicamente tijucana, com seu poodle calçado e sua blusa comprada em Guarapari.

Com o início dos Jogos Pan-Americanos, todos sumiram. Para onde foram? Não se sabe ao certo. Mas não fez mal, pelo contrário, ajudou os índices de popularidade do governador e do prefeito. Mendigos não votam, tijucanos sim.

A Radial Oeste acaba ali, como numa confluência de rios. À noite, o fluxo de veículos nos faz lembrar um grande ribeirão a luz do luar. Uma forma de "fugere urben" em meio ao caos.

Na definição de Aurélio, Radial é aquilo que emite raios. Mas também pode ser definido prosaicamente como "rua que vai do centro à periferia urbana". Será que até Aurélio já passou por ali?

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