terça-feira

O homem sem qualidades

“E como a posse de qualidades pressupõe uma certa alegria pela sua realidade, é legítimo prever que alguém a quem falte o sentido de realidade até em relação a si próprio possa um belo dia, sem saber como, encarar-se como um homem sem qualidades.” Robert Musil.

Um homem conhece qualquer cidade do mundo pelos passos. Hoje ando procurando citações já que minha vida tem virado fragmentos. Roubo mesmo. Musil pensava em seu homem sem qualidades que vivia em Viena.

Quando abri os olhos eu estava novamente em uma festa. O lugar que interessa. Flerte. Blefe. Não olhei os passos. Demorei para reconhecer a cidade. Pelo frio, pelo céu, pela lua e o conhaque eu estava na capital do império Austro-Húngaro.

As pilastras do palacete me iludiam o frio e a luz de Viena. Decido aceder um pouco ao convívio. As roupas e as cores tinham que trazer as respostas, já que não olho para o chão. As bocas vermelhas. O batom que não se usa mais.

Bocas lindas. Uma coleção delas me ouvia. Eu estava confundido de sentidos. Preciso olhar um pouco mais. Olho e vejo o Redentor. A lua.

Quanta distancia eu delirei em duas cervejas.

Era festa das grandes. Iluminada.

Eu queria ser Tom Wolf e andar por festas com Andy Warhol. Festas numa NY qualquer. Quero a verdade da burguesia dançante. Flerte. Blefe.

Ela estava linda. Não ligava. Não notava. Sentada à beira da piscina: sonhava. Olhava movimento e luz. Arrumava o cabelo. Não me notava. Conversei na mais interessante das vontades e vantagens. Não olhava. Era de silêncio.

A piscina era outro além. Coberta de uma neve estranha para um Rio de Janeiro, servia, para, nos meus instantes de realidade, fingir Viena. Mas era longe. Frio.

Ela silêncio.

De outra festa vinha a moça do vestido amarelo. Os assistentes do artista. Eles vieram comemorar a folga. Hoje não ilumino nada. Eu cumprimentava as pessoas fingindo importante.

A normalidade fora interrompida por um Tibum. Microondas e videocassetes voavam. Surreal e melancólico. A multidão enlouquecida com a modernidade liquida.

As bocas vermelhas sumiram. Só uma boca vermelha me interessa.

Musica não tocou. Era frio. E o que sobrava do movimento rápido do tocador de discos congelava. As ondas não chegavam longe. Não havia música. Só movimento. Como se toda intelligentsia estivesse satisfeita e burguesa. Todos em seu delírio de solidão. Ninguém mentia. Eu não mentia o que era realmente raro. Não sei se era por conta da sombra de Glauber, quem vem dando o tom dessas festas, que gritava eternamente sua terra em transe nesse Parque Laje que eu menti Viena. Ninguém mentia.

As bocas vermelhas lembravam um tempo passado onde todos se amavam, se encostavam, pagavam peitinho e se jogavam na piscina. Tempo passado. Microondas voam e ninguém ama. Hoje não há vontades. Ninguém se joga. Microondas voam e Glauber delira. Ninguém beija.

As bocas vermelhas decidiram: vamos nos vender no mercado. Deixamos a consciência dos Parangolés, seus movimentos e cores, trancados no Parque Laje e sem sua força de Rua! Pra rua nos vender no mercado. A festa tinha que começar.

Um comentário:

Mariabia disse...

o batom vermelho é um diferencial.
era. eu deliro em uma só.
acho que não existe essa falta de qualidade. acho.