domingo

BAIXA - Ou a história da morena logo ali.

Explicação necessária:

Decido publicar esse texto pois senti saudade.

Era algo assim que pensei pra começar o texto. Rasgo a primeira folha do bloco que comprei. Brega. Começo novamente o texto:

Decido publicar esse texto pois o considero sensacional do ponto de vista da minha literatura.

Volto de novo ao bloco. Idiota.

Alguns bons meses me separam desse texto. Andava com um bloquinho pelas escadas rolantes da estação de metro mais interessante de Lisboa. Interessante pela boemia. Pelos olhares. Cerveja barata. Tudo isso muito perto. Bastava subir as escadas. Uma caminhada de poucos minutos. Andando sem pressa. Pressa fica sempre em casa. Queria que essa coisa se transformasse em um filme.

Quem sabe um dia.

Gosto das locações que criam as situações. O texto surge pois existe algo neste lugar. É preciso estar atento.

Dois amigos se encontram em Lisboa. Conversam ao longo da caminhada que vai os levar à praça Camões, ao pé do Bairro Alto. Ao pé de seus desejos de noite que começa. Eles conversam e caminham. E é tudo.

Senti saudade.
Gosto do texto.

BAIXA

PERSONAGENS

MARCELO

THIAGO

Plataforma do Metro Lisboa, estação Baixa-Chiado.

Marcelo - vinte e poucos anos, calça jeans e camiseta colorida, usa um All Star e está com uma mochila pequena.

Marcelo sai do Metro e começa a subir as escadas para chegar à plataforma superior da Estação. Encontra Thiago que está esperando na parte superior da plataforma.

Thiago - Vinte e poucos anos, calça jeans e camiseta de botão, usa um tênis adidas surrado.


MARCELO

Estou atrasado como sempre.
THIAGO

Relaxa que isso é normal com você.

Os dois começam a andar na plataforma em direção às roletas.

MARCELO

Mas você sabe que não costumo me atrasar para essas coisas de trabalho. Pensando bem, hoje, eu vou faltar essa coisa. Vamos sair e fumar um cigarro e a gente pensa o que faz.

THIAGO

Você perdeu a cabeça novamente, continua fumando e ainda vai faltar o trabalho.

MARCELO

Vai me regular como sempre? É o seguinte vamos fumar um cigarro e pronto. Preciso conversar, estou muito tenso com esse trabalho. Parece que estou fazendo um intensivo existencial nesse lugar.

THIAGO

Realmente o lugar onde você trabalha é bizarro.

MARCELO

Mas vamos falar de outra coisa... faz tanto tempo que a gente não se vê, que não faz sentido falar disso agora.

THIAGO

É.

THIAGO

E os roteiros continua escrevendo?

MARCELO

Continuo... mas não te envio por conta desse tal existencialismo. Mas deixa pra lá!

Thiago balança a cabeça em sinal de reprovação e sorri.

MARCELO

No mais eu nunca posso escrever um roteiro de cinema. Nunca posso usar armas, bombas e perseguições de carros. Fica sempre nessa mesma de dois amigos que se encontram em algum lugar e no final algo bizarro acontece, mas rola uma suspensão na narrativa que deixa a coisa meio com dois sentidos e na verdade eu tou é fazendo as coisas dentro dos meus limites de produção: Cineasta em formação, duro e sem saco pra produzir uma complexidadezinha sequer.

THIAGO

Eita, mas não muda nunca e já estamos entrando no existencialismo, Freud e essas coisas todas que você fica citando e não serve de nada. Agora eu realmente acho que a gente deve fumar um cigarro e relaxar. Sim, sim eu sei, eu não fumo, mas te acompanho pois sei que você precisa. Estou de férias mesmo. Posso fazer o que eu quiser e depois volto.

MARCELO

Eu ainda fico aqui um bom ano.

THIAGO

Está bom?

MARCELO

Fantástico!

Começam a subir as escadas rolantes. Silêncio. Começam a falar depois que pisam no primeiro degrau.

MARCELO
Eu sempre penso em um assassinato nessas escadas.

THIAGO

Outra paranóia.

Silencio entre os dois.

THIAGO

Mas eu gosto dos seus assassinatos, desde que, você não queira passar isso pra vida real.

MARCELO

Nem vou tentar, apesar do existencialismo e da falta de opção nos roteiros eu acho que isso tudo é balela. Na verdade eu estou bem.

Silêncio novamente, os dois chegam ao segundo lance das Rolantes escadas.

MARCELO

Um minuto e 18 segundos para subir essas escadas.

THIAGO

Como você sabe essa merda?

Marcelo

Responde rispidamente sem olhar para Thiago.

Cronometro.

THIAGO

Sim... sim... desses de celular.

MARCELO

A gente perde muito tempo nos transportes, nunca é produtivo isso. Uma cidade perfeita que você vai de um lado para outro em milésimos de segundo, não perde tempo com as coisas idiotas, não vai ao mercado, tudo é rápido como na Caucânia do Musil

THIAGO

De forma ríspida

E maquinas de suicídio como no futurama.

MARCELO

Eita, macho! relaxa.

THIAGO

Que dialeto você está falando? Estou com você a alguns dias e já peguei isso.

MARCELO

É estou convivendo com muita gente diferente e com a mesma língua portuguesa de sempre. É bom.

THIAGO

Sorrindo.

Um minuto e 18 segundos.

MARCELO

Acabamos as escadas. Ainda tem mais.

Escadas da saída.

THIAGO

Mais um pouco.

MARCELO

Fez o que ontem?

THIAGO

Praia.

MARCELO

Eu apertei os mesmos botões de sempre.

THIAGO

Vamos acabar de subir isso e ficamos perto do Fernandinho.

MARCELO

Ah, sim, o pessoa. Vamos tirar uma foto?

THIAGO

Nem fudendo.

Saída do metro, Marcelo encosta na parede do metro. Tira o pacote de cigarros da mochila. Abre o pacote e bate duas vezes na carteira com a ponta do cigarro. Olha delicadamente para o cigarro e acende o cigarro com um isqueiro cromado Zippo.


THIAGO

A mesma mania de acender o cigarro como o Jack Nicholson em Chinatown.

MARCELO

É só pra te irritar. Saudades de você seu merda.

THIAGO

Eu sei

Marcelo traga delicadamente o cigarro.

MARCELO

Sou operador de telemarketing. Tenho dois botões a minha frente. Um diz sim. O outro diz não. Mas tenho 12 intervalos de um minuto para beber água.

THIAGO

Impossível fazer isso.

MARCELO

Eu fiz, tava de ressaca. Mas poderia fazer 24 intervalos de 30 segundos. Esse é meu objetivo. Um minuto pra beber agua é muito tempo.

THIAGO

Eu prefiro ser operador de Pare e Siga, a ser essa coisa de dois botões que você diz. Rola uma emoção e ainda pode ser que você vire um psicopata destruindo carros, colocando a placa errada.

MARCELO

Operador de Pare e Siga! Que porra é essa?

THIAGO

É aquele cara que fica na estrada em construção com uma plaquinha (pare e siga) para orientar os carros.

MARCELO

Responde sorrindo.

É muita emoção esse cargo.

THIAGO

Morena bonita essa eim?

Marcelo

Sim, sim...

Silêncio ao ver a morena passar. Marcelo traga mais uma vez o cigarro. Silêncio entre os dois. Os dois se olham..Olham o Fernando Pessoa e um turista a tirar fotos abraçado na estátua. Olham o restaurante "À brasileira!"


THIAGO

Ainda continua odiando o Bergmam?

MARCELO

Claro, claro! Mas eu não odeio o cara. Apenas acho ele pesado demais.

THIAGO

É património da humanidade pela UNESCO.

MARCELO

Grandes merdas, fico com o Antonioni.

THIAGO

Eita! Você não muda.

MARCELO

Ele é sueco.

THIAGO
E o que tem isso a ver?

MARCELO
Não gosto dos suecos.

Thiago faz um gesto interrogativo.

MARCELO

Uma menina que estava comigo gostava mais de suecos. Foi difícil convencer ela. Não gosto de suecos.

THIAGO

Essas suas afirmações categóricas que não querem dizer o que você pensa apenas para dar um ar de graça... E a mulher te trocou por suecos... Fique só com o Antonioni mesmo.

MARCELO

Engraçado isso, não sei nada sobre eles..

THIAGO

Boa!

Silêncio entre os dois e Marcelo dá mais um trago no cigarro.

THIAGO

Vamos pra onde?

MARCELO

Te mostro um mirante logo ali.

THIAGO

Acaba o cigarro.

MARCELO

Sim, sim.

THIAGO

Morena linda de novo.

Marcelo traga mais uma vez o cigarro, os dois levantam e começam a caminhar.

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