terça-feira

Seu Acácio

Venho todos os dias às cinco. O pessoal aqui tudo me conhece, e a toalhinha branca e a garrafinha de água também. Outro dia, eu já ia saindo da sala sem minha toalhinha e a gordinha me chamou, deu uma corridinha e me devolveu. Agradeci. Tenho ficado muito esquecido. Acho que gravei tanta coisa inútil na caixola que não consigo mais lembrar de tudo que devia: do horário do programa daquela loira gostosa, do sorteio do bicho, do gamão das dez. Maldita matemática aplicada. De quando em vez, esquecia da minha aula das cinco. Mas aí eu boto alarme.

- Seu Acácio, mudou. Seu Acácio...

Aquela loirinha é um espetáculo. Cozinhando, falando com aquele periquito engraçado. Só faltava apresentar nua. E ela ainda tem um bom coração. Volta e meia ajuda alguém, esclarece algum ponto importante. Mas bom mesmo é quando ela solta os cachorros... Ela pode soltar os bichos. Em mim ela solta um zoológico inteiro. Aquela voz envolvente me lembra de quando as coisas eram mais firmes. Queria sentir o gosto da sua vulva. È sempre assim, é como um balão. Ela aparece sempre com um bom recado, uma simples historinha, aí as coisas vão esquentando, ela chama alguém, fala com o periquito, faz uma comida e...

- Seu Acácio, pode parar. Seu Acácio, é descanso agora, Seu Acácio... Olha pro coleguinha do lado: ele ta parado! Pode descansar, Seu Acácio.

Outro dia. Ontem. Ontem ou anteontem. Eu acertei assim no bicho. Primeiro sonhei com a placa do fusca da minha mãe. A coroa ainda dirigia. 6135. Com ela no carro, leão não era. E mamãe já tava velhinha no sonho, também já não era mais uma cobra. Lembrava mais um jacaré velho. Mamãe morreu com 80. No sonho parecia uns 75. Ela sempre foi bem conservada. Uma coroa bem apanhada. E na época dela não tinha essa coisa de academia não. Malhava no tanque e no ferro. E a língua com a dindinha, principalmente. Como eu to com 70, fiz uma média aritmética. Tentei fazer de cabeça, não consegui. Fiz no papel. 78. Mamãe era de 1912. Papai de 1908. Fui tenta fazer um logaritmo, não achei minha tabela. Somei tudo. Me enrolei de cabeça e fiz no papel. 3820. Cachorro. E de manhã, ela ainda me solta os cachorros...

- Seu Acácio, para! Seu Acácio! Seu Acácio! O senhor tem que parar um pouquinho...

- É, minha filha, eu tenho que me exercitar um pouquinho. Eu tenho muita dor nas costas. A minha neta disse que....

- Eu sei, Seu Acácio, mas tem que descansar também. Parar, respirar, mudar o exercício...

- É, minha filha?

- É, Seu Acácio, descansa aí um pouquinho. E presta atenção no próximo exercício, ta bom?!

- Tudo bem, minha filha.

- Vamos lá, pessoal! Respirando, 30 segundinhos, vamos lá... Tudo de novo agora. No alto. E um, e dois e três...

Hoje eu perdi todas. O Astolfo estava com uma sorte danada nos dados. Não sei como ele ainda é casado. Eu faço as contas, divido as peças, ando com ousadia e galhardia, mas os dados não foram meus amigos. Mas amanhã eu ganho. Ou o gamão ou o bicho. Minha coluna tá doendo. Esqueci de tomar o remédio das três. Ou será que eu tomei? Deve ser o Oswaldo que fica me botando olho gordo. Toda vez que ele senta à minha direita, eu perco. Amanhã eu vou jogar no macaco.

- Valeu, pessoal! Alongando. Leva as mãozinhas lá para cima... estica tudo... Agora, embaixo... Seu Acácio, a mão é no outro joelho! Isso... Sintam a música. Girando o pescoço, devagar, sente alongar... Isso aí, seu Acácio, muito bem... Valeu, pessoal, até amanhã! Seu Acácio, não vá esquecer a toalhinha!

- Obrigado, minha filha, você é muito boazinha... Deus te abençoe!

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- A aula foi boa, seu Acácio?
- Foi sim, minha filha. Minhas costas precisam de exercício. Doem demais. E mais de manhã.
- Se exercitar é sempre bom, seu Acácio!
- Eu gosto muito, minha filha. Mas essa professora, vou te contar... Ela é muito chata. Dá uma aula muito ruim. Parece que tem preguiça de explicar as coisas, né?! Não vou fazer mais este horário, não. Ela é antipática demais, essa menina... Acho que ela não gosta de velhos.

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