sábado

A balada do amor inabalável, a ressurreição de Glauber e a intelligentsia Carioca

Noite interessante, pra não dizer das melhores, já que tudo vai caminhando por camadas de músicas estranhas, um sábado carioca, onde tudo vai estar suspenso. Camadas de músicas estranhas cobrem o ar. O carro mal estaciona e já pensamos nas estratégias para fugir da seca lei. A grosso modo, fugir não é a melhor saída. Decidimos apenas cortar uns arames das grades que cercam o presídio da realidade. As portas se abrem e nada mais justo em noites de artistas de renome internacional, Korda e seu Guevara imortalizado, ganha um bigodinho rosa, simpático.

Guevara e seu bigodinho rosa dariam o tom da noite. Marxistas, gramscinianos e coloridos triunfantes terminariam a noite sozinhos, por conta da ousadia do rótulo.

Tudo isso em camadas de músicas estranhas, de uma festa, em que apenas três CDs embalavam. Eu sou do tempo em que se alugava CD. Eu sou do tempo do Vinil. Nunca foste do tempo do Vinil, moça bonita do laço de fita. Seus vinte e dois não lhe permitem. Tudo bem, sou do tempo em que o Vinil virou CD. Mais justo para uma noite real.
Para o narrador sobrou o CD numero um, com musicas de um certo Lado B da Legião Urbana, triste tortura para que ele se lembre de um tempo passado, onde até amava. Um CD do Legião. Para os outros personagens, músicas claramente selecionadas no tempo da escrita, já que não carrego gravadores, caneta e nem papel. É festa e já foram traçadas as estratégias para fugir da seca lei.

Toda intelligentsia carioca estava presente. Ipanema. Bonitona e luxuosa. Cabelos e roupas meticulosamente desorganizados. Tudo muito bem disposto segundo as leis do Feng Shui. Tudo meticulosamente desorganizado.

Para algum desavisado, as drogas eram livres, então não se surpreenda ao virar a primeira porta à esquerda e alguns barbudinhos estiverem coçando do nariz. A primeira porta à esquerda do corredor, bem longe do Che, mas muito perto dos outros que virão.

Nem todos se conhecem, todos querem se conhecer e nisso – como que arte maior – todos desfilam suas vantagens:

Eu sou músico. Faço as letras, cada dia tem ficado melhor. Músicos de primeira. Logo eu esperava o erro, que deixaria o gajo do Alfama toda noite sem ninguém, um gajo sem fama: mas nada muito profissional o que a gente faz não. A gente tá começando. No tempo em que as vantagens se desfilam, cometeu o suicídio da conquista. A musica que lhe deram: no ar da nossa aldeia... há sexo, drogas e talk show....

O parêntese. Tudo isso o narrador aprendeu num curso de 3 dias sobre a arte da conquista: minta, mas minta direito. O fecha parêntese.

As roupas coloridas desfilavam. Era noite das internacionais. Não só pelas bandeiras de todos os países da América Latina que decoravam, desequilibrando, a Ipanema bonitona. Gays e lésbicas iam a caça. Os héteros já chegaram caçando. Alguns, e a maioria deles, não estavam preparados para a arte da inclinação e plantavam como chatos atrasando os amigos. Chatos pequenos-burgueses de All Star. O mesmo All Star em cada pé.

Para as uruguaias presentes não faltou animação e gente fingindo um espanhol. Eu não invento moda. Fiquei na minha. A primeira música que me deram: parece cocaína, mas é só tristeza...

No canto fiquei. Era dia de guardar os meu(s) amores ao meu cigarro e ao canto da sala, grandona. Já que, nesse mundo prostituto, eu fico com os meus amor(es) para maior reflexão. Nada disso seria escrito sem um senhor a refletir.

A dona da festa desfilava. Nem era preciso iluminar, seu vestido amarelo não dava espaço aos artistas de outros carnavais. Seu vestido tinha luz própria. Era capaz de dizer não sem meias palavras. A musica que lhe deram: Everybody's Looking for Something. Assim, vago mesmo. Todo o Mundo procura, mas Ninguém quer ser achado. Para lembrar Gil Vicente.

Mas tinha muita gente, a festa ficaria longa demais e o leitor, mas o leitor não perde tempo com palavras em dia de balada.

Até passou um cara, meio João Paulo Cuenca e disse incisivo: o bom mesmo é uma mulher indo! Uma mulher indo! Não lhe deram música nenhuma. Foi.

Eu sou do cinema! Todos calaram. Como que uma tag invisível, senha para angariar melhores posições na noite do desfile das vantagens. Todos param e reparam no canto da festa. O homem do cinema se cala, carregava uns assistentes e era feliz. Ouvia a reclamação de uma patricinha intransigente. Patricinha que merece um parágrafo.

Gramsciniana, salto agulha, coxas enrijecidas, um quê de pecado, morreu na praia pois era demasiado para um bigode rosa. Dançava. Dançava o que vinha a sua mente insana, dançava as músicas que queria pois alguém deve ter dito pra ela que era ela linda demais para a tal festa dos desfiles. Enquanto tocava algo parecido com Cake, talvez ela não sobrevivesse ao erro, ela dançava alguma coisa da Bahia, mas nem era dia. Perdeu. Ficou no canto falando de sua tese de mestrado na Unicamp.

Os que tiveram sorte, esses, não precisam de conto ou crônica. Escorreram pelos quartos ou vomitaram qualquer coisa absurda. Mas triunfaram no desfile.

O narrador já tinha preparado toda a luz. Era do Cinema. Gostava de silhuetas em contraluz, posicionava luminárias ao meio da sala escura para descortinar algum rosto interessante que o fizesse mover. Parado ficou. Seu cigarro cansado apagou. Mas nem era tristeza, era alegria de iluminar.

As uruguaias deram um show, seja por dançarem Roberto Carlos e seu carro vermelho. Seja por suas calças estranhas desacompanhadas de outras peças que combinassem. Ninguém se atreve a “espanholar” enquanto o Che de bigode rosa olha por todos.

O caso justificante de conto, de crônica, peça de teatro surreal, vem a seguir. Junto com todas as músicas tocadas de uma única vez, nas pausas fazia-se o entendimento. A polícia também veio buscar seu qualquer. Escondemos os baseados, mas violento e digno mesmo de operação era a música que incomodava os homens e mulheres solitários dos andares acima e, quem sabe, abaixo. A policia se foi. Os baseados voltaram e os narizes continuavam a farejar sangue ou farinha.

O justificante, não percamos o foco. Já que é a única coisa para que serve uma objetiva: encontrar o foco.

Ela, a moça do vestido amarelo, caminhava. Nenhuma luz foi colocada a seu favor, já que vinha iluminada por si. Era maior que o cinema. Trazia a amiga. Essa sim, para ela, recebeu o tratamento colorido de O Conformista, com toda humildade da expressão. Surgia silhueta em contraluz e caminhava para a luminária, devidamente colocada a meio da festa, pelos assistentes do narrador. Iluminada era linda. O cabelo meticulosamente desorganizado e como sou das onisciências o decote de sua blusa pela parte de trás já animava.

Ela adora cinema. Minha amiga. Você vai adorar conversar. Iniciamos. Sem muita paciência quando é de costume observar. Adoro cinema, sou grande produtora... E por aí seguia o desfile das vantagens. Soube que você está a fazer um filme sobre o Coutinho. No fim de semana, a resposta intransigente. Sim. Adoro. Vi Jogo de Cena e tantos outros. Começou o seu almanaque de tags. Cinema. Coutinho. Produção. Montagem. Mas não gosto muito das coisas de lentes e luz não. Pedi para apagarem a segunda luminária, posicionada para quando chegou à cadeira. Não gosto muito de lentes e luz não.
E continuava. Explique melhor o seu documentário. Desfilei vantagens. Arte das que eu sou mais capaz, estava apenas sentado. Estratégia para fugir da seca lei. Desfilei vantagens. Ótimo, adorei. Quer uma cerveja? Quero. Desfilei mais uma vez. Agradava. Mas o melhor mesmo para esse seu documentário seria entrevistar o Glauber Rocha. Subitamente, o ano de 2009 me veio à cabeça, estava pronto para enfrentar a seca lei. Ele é ótimo, mas é outra parada. Você tem que pegar ele pra você. Entrevista ele. Pois quando eu entrevistei o Glauber foi a minha vida. Seus vinte e dois também surgiram subitamente à minha cabeça. Estava preparado para desfilar vantagens. Nós marcamos para semana que vem. Ele é super acessível não é? Foi ótimo. Silencio. Vou buscar uma cerveja.

A música que me deram: nossa senhora do cerrado, protetora dos pedestres, fazei com que eu chegue são e salvo na casa da Noélia. Nono, nono, nono nono.

Apagamos as luzes. Atravessamos o túnel que leva a realidade da zona norte. É domingo.

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